O Tribunal Superior Eleitoral, em sessão deste mês, voltou, após pedidos de vista realizados em sessões anteriores, a julgar dois relevantes processos que tratam de abuso de poder econômico e de inelegibilidade decorrente de desaprovação de contas de agente público.
O primeiro deles, que gerou bastante debate no Plenário, foi o Recurso Especial Eleitoral 49.451, iniciado em dezembro e que, após o voto do relator negando provimento, teve pedido de vista do ministro Luis Felipe Salomão.
A controvérsia gira em torno de uma doação feita pela sobrinha de candidato, durante o período eleitoral, no valor de R$ 50 mil, que motivou o partido da oposição a interpor ação de impugnação de mandato eletivo. A ação foi fundada sob o argumento de que o valor doado teria sido usado na campanha do recorrente, nas eleições municipais de 2016, sem integrar o patrimônio do candidato à época do pedido de registro de candidatura, de modo a configurar o ilícito eleitoral. A tese foi aceita pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, o que motivou a interposição do recurso especial por parte do candidato.
Apesar do julgamento do recurso não ter sido concluído, em razão de novo pedido de vista, desta vez pelo ministro Luis Roberto Barroso, o ministro Salomão inaugurou divergência na corte com voto em que reafirmou diversos precedentes do tribunal, tendo sido acompanhado pelos ministros Admar e Tarcísio.
Em seu voto, o ministro reconheceu que as hipóteses de abuso de poder mencionadas no artigo 19, caput, da Lei Complementar 64/90, que trata da apuração do abuso de poder econômico, constituem cláusulas abertas e devem ser interpretadas em harmonia com o artigo 14, parágrafo 9º da Constituição Federal, que estabelece a proteção da normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico, citando outros precedentes do tribunal nesse sentido.
Nesse sentido, a conduta considerada lesiva deve sempre pressupor uma lesão aos bens jurídicos tutelados pela Carta da República, tornando-se inviável o reconhecimento de sua afetação sem a demonstração empírica dessa lesão. Tendo em vista que a norma em questão apresenta característica de uma cláusula geral, os seus limites não podem ser presumidos pelo juiz, se não difundidos em termos nítidos de que a conduta só terá relevância jurídica quando, ingressando na zona do ilícito, provocar um mínimo de alteração no bem jurídico.
Quanto à desaprovação das contas do candidato em decorrência desse mesmo fato, o ministro consignou que tal circunstância não gera automaticamente o ilícito eleitoral do abuso de poder econômico. Tanto o ministro Salomão quanto o ministro Tarcísio apontaram pela necessária prudência ao julgar ações eleitorais com a consequente aplicação de sanções nelas previstas, sob pena de amesquinhar a higidez do processo democrático e de desrespeitar as escolhas legítimas do eleitor.
Além do ministro Tarcísio, o ministro Barroso acompanhou a divergência inaugurada pelo ministro Salomão.
O segundo recurso especial relevante julgado naquela sessão foi o REspe 19.587, proveniente de Petrópolis (RJ). Diferentemente do primeiro recurso, em que se tratava de uma ação de impugnação de mandato eletivo, este foi originado do indeferimento do registro do recorrente ao cargo de vereador nas eleições de 2016.
O vereador teve seu registro indeferido ancorado na inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, g da Lei Complementar 64/90, em razão da rejeição, pelo TCU do Rio de Janeiro, de três contas públicas prestadas pelo recorrente como ordenador de despesas da Companhia Municipal de Desenvolvimento de Petrópolis. Referida causa de inelegibilidade pressupõe contas rejeitadas durante o exercício de função pública, por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário em razão de falha insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa.
Em voto-vista, o ministro Jorge Mussi reafirmou a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, que exige para a configuração dessa causa de inelegibilidade a existência de elementos mínimos que demonstrem má-fé, desvio de recurso em benefício próprio ou de terceiros, danos ao erário ou demais circunstâncias que evidenciem lesão dolosa ao patrimônio público ou prejuízo à gestão da coisa pública.
Nesse sentido, o ministro, acompanhado pelos demais e nos termos do voto do relator, entendeu, pela moldura fática delineada no acórdão regional, que o caso dos autos evidenciou a prática de ato doloso de improbidade administrativa, tal como exigido pela alínea “g”.
Em seu voto, reafirmou a jurisprudência consolidada do tribunal de que o não recolhimento de contribuições previdenciárias constituem irregularidades que configuram ato doloso de improbidade administrativa, tendo em vista que o Tribunal de Contas, entre outros motivos, desaprovou as contas do recorrente em razão do inadimplemento de obrigações fiscais e sociais. Sendo assim, ao ter sido decorrente de conduta doloso que causou dano ao erário, a desaprovação das contas do candidatou foi apta a atrair a inelegibilidade no presente caso.
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