Os gastos milionários do Pros com candidatos que tiveram votação pífia nas eleições de 2018 — revelados em reportagem do Correio — estão na mira do Ministério Público e da Justiça Eleitoral. Levantamento feito com base nas prestações de contas entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que a direção nacional da legenda destinou mais de R$ 5 milhões em material gráfico a 33 concorrentes a deputado distrital que, juntos, conquistaram apenas 11,9 mil votos. Mas muitos deles negam ter recebido o volumoso apoio da sigla e acusam a direção da legenda de desviar os recursos.
O suposto esquema do partido se deu por meio da transferência de materiais gráficos para os candidatos, com gasto médio de R$ 172 mil para cada um dos 33. A fartura dos itens, custeados por recursos públicos dos Fundos Partidário e de Financiamento Especial de Campanha (FEFEC), é tamanha que seria possível, por exemplo, estampar por três vezes todos os 1,7 milhão de automóveis da capital com os 6 milhões de adesivos que a legenda diz ter confeccionado.
Para concretizar as transações, o Pros teria usado uma brecha na legislação eleitoral, que dispensa a apresentação de comprovante e de recebidos na transferência de valores em material de campanha. As transações são apresentadas com “receitas estimáveis em dinheiro”. Desse modo, na prática, a propaganda impressa — produzida em gráfica do próprio partido — não precisava ser comprovada na prestação de contas.
Em 28 de fevereiro, três dias após a publicação das denúncias no Correio, o Ministério Público emitiu parecer questionando os métodos do partido e pedindo apuração rápida do caso à Justiça Eleitoral. O MP fez o posicionamento no processo de prestação de contas de Gilberto Camargos, um dos candidatos ouvidos pela reportagem. Ele se recusou a assinar a prestação de contas produzida pelo Pros. Às pressas, elaborou uma nova prestação, entregue em janeiro deste ano, que inclui uma declaração em que justifica o atraso e detalha a suposta tentativa de fraude cometida pelo partido.
Depoimento
Com base na reportagem do Correio e na justificativa de Camargos, o MP, em petição assinada pelo procurador eleitoral José Jairo Gomes, requereu ao Tribunal Regional Eleitoral a oitiva do candidato para esclarecimentos dos fatos e a juntada da reportagem aos autos do processo de prestação de contas. O TRE-DF acatou o pedido e a audiência está marcada para o próximo dia 28. “Entendo que a tomada de depoimento do candidato é medida necessária para esclarecer a verdade acerca dos gastos declarados com material de campanha, originários de recursos do Fundo Especial (FEFEC)”, escreveu o desembargador Telson Ferreira, ao aceitar o pedido.
A decisão vai na linha da solicitação feita pelo Ministério Público que destaca os indícios de irregularidade cometidas pelo partido no caso. Segundo o órgão, se a suspeita se confirmasse, ficaria constatado que o partido declarou “entrega de bens em volume superior ao que verdadeiramente seria distribuído”. O MP levantou também a hipótese de superfaturamento dos valores gastos em material gráfico. “As irregularidades narradas, tanto pelo prestador de contas quanto pela imprensa, merecem ágil e percuciente apuração”, escreveu o procurador.
Ele ressaltou, como uma das justificativas, o expressivo repasse de recursos públicos ao partido. O Pros recebeu R$ 21 milhões do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e R$ 17 milhões do Fundo Partidário apenas no ano de 2018. “O emprego ilícito de tais recursos não exime os responsáveis (no caso, o Pros) e os beneficiários de tais condutas (ou seja, seus candidatos) das cominações legais cabíveis, notadamente do dever de restituir ao erário os valores utilizados indevidamente.”
Adulterações
Alguns dos candidatos ouvidos pelo Correio alegam ter assinado a prestação de contas sob pressão, coagidos pelo alerta de que teriam complicações sérias com a Justiça Eleitoral, caso deixassem de entregar os documentos. É o caso de Adriana Lourenço, 49 anos. Cega, ela relata que assinou a prestação de contas sem saber o conteúdo real. Integrantes do Pros não disponibilizaram a versão digital, que poderia ser ouvida por meio de recursos de acessibilidade, tampouco descreveram a íntegra da documentação. Ela teria recebido R$ 154 mil do partido em material gráfico. Teve 190 votos e nega os valores tão altos. “Recebi pouquíssimo material e tudo em cima da hora da eleição”, disse.
A datilógrafa Amazônica Brasil, 54, foi uma das candidatas que alertou Adriana da possível adulteração. Ela, no entanto, diz ter assinado a prestação de contas por medo. “Sou servidora pública, estava em processo de aposentadoria. Deixar de fazer a prestação porque poderia me prejudicar”, contou. Ela e Adriana dizem se sentir impotentes. “O que fazer? Negar e depois ter que procurar advogado e contador para fazer a declaração às pressas? Não temos recurso para isso. E ficaria sempre a nossa palavra contra a deles”, ponderou Amazônica. O partido destinou R$ 179 mil à ela, que teve 347 votos.
Irregularidades muito similares as que teriam sido praticadas no DF causaram a reprovação das contas de uma candidata a deputada federal de Goiás do Pros, Dona Cida. Mãe de Eurípedes Júnior, presidente nacional da legenda, ela recebeu R$ 1,7 milhão do partido. Chamou a atenção da Justiça, além de outros problemas, que parte considerável desses gastos não pudesse ser comprovada com a análise da contabilidade da campanha. O caso ainda está em fase de recursos.
Material suspeito
8.783.729
Número de santinhos impressos
5.989.812
Quantidade de adesivos 10 x 30
3.225.156
Quantidade de bótons
41.300
Número de adesivos 40 x 30
11.920
Total de votos conquistados pelos 33 candidatos
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