Fonte: Conjur - www.conjur.com.br
O controle das atividades da administração pública pelos órgãos de fiscalização não pode ser um obstáculo à gestão. Muito menos ao processo decisório. É o que defende o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União. Segundo ele, o voluntarismo de alguns integrantes dos órgãos de controle, aliado à campanha de criminalização da política, tem levado à “infantilização da gestão pública”.
São gestores, políticos ou não, que têm medo de tomar algum tipo de decisão e acabar responsabilizados por ela, condenados por improbidade ou até por algum crime. O resultado são licitações que não são feitas, obras que não saem do papel e pessoas que ficam sem o serviço público a que têm direito. No jargão brasiliense, é o “apagão das canetas”.
Têm ficado cada vez mais comum a cena de prefeitos ou ordenadores de gastos que preferem não contratar um serviço, com receio de ser cobrados pelo Ministério Público ou pelo tribunal e contas depois. Preferem que alguém vá à Justiça conseguir uma liminar que o obrigue a contratar em regime de urgência, sem licitação. Aí terá sido cumprimento de ordem judicial, e não decisão administrativa.
Segundo relatório do TCU coordenado pelo ministro Bruno Dantas, o Brasil tinha 12 mil obras paradas em 2018. Dessas obras, 2,8 mil eram do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – portanto, são obras de infraestrutura consideras prioritárias pelo governo. Claro que as obras estão paradas por diversos motivos, mas os números mostram que a administração vem se tornando uma atividade de risco. Ordens judiciais que paravam obras eram comuns, mas agora o próprio gestor já toma a decisão de suspender a execução do contrato assim que é intimado da abertura de um inquérito civil pelo MP, avalia o ministro.
Não é um fenômeno sem explicação. Pesquisa conduzida pelo advogado Rafael Carneiro mostrou que as sanções por improbidade administrativa têm se ampliado de maneira excessiva. E erros de gestão acabam se transformando em ações de improbidade, que são punidas de maneira completamente desproporcionais.
Carneiro analisou 800 acórdãos do Superior Tribunal de Justiça proferidos entre 2005 e 2018. E viu que metade das decisões se baseia em acusações de improbidade por ofensa a princípios da administração pública, sem acusação de enriquecimento ilícito ou aproveitamento indevido. Só 10% dos casos decididos pelo STJ no período falavam de locupletamento.
“Incompetência não pode ser tratada como improbidade”, resume Bruno Dantas. Ele visitou a redação da ConJur na segunda-feira (27/5) para conversar sobre a situação do país. Na opinião dele, o modelo de serviço público da Constituição “deu errado”. A estabilidade produziu engrenagens que não giram e apenas os órgãos de controle deram o salto da profissionalização – e por causa dos altos salários para essas carreiras, e não de um programa estruturado de busca de eficiência.
Na análise do ministro, o país passa por um momento delicado, em que alguns integrantes dessas carreiras decidiram se voltar contra a política, e não contra os políticos que cometem desvios. Criou-se um clima em que qualquer relação é suspeita e toda decisão se transforma, no mínimo, num inquérito civil.