Fonte: MPDF
Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta sexta-feira (13), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defende que seja determinado prazo à União e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que editem normas regulamentando o plantio de Cannabis sativa (ou cânabis – em português –, popularmente conhecida como maconha) com finalidade medicinal. A manifestação foi feita na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5708/DF, proposta pelo Partido Popular Socialista (PPS), que questiona trechos da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) e do Código Penal.
Para a PGR, o procedimento hoje existente para importação de medicamentos à base de canabidiol e tetrahidrocannabidiol (THC) – substâncias presentes na planta –, revela-se extremamente dispendioso e burocrático, o que acaba por limitar o acesso dos produtos a pessoas com alto poder aquisitivo, afastando de grande parte da população brasileira a possibilidade de tratamento médico.
Estudos recentes atestam o potencial da maconha e de seus extratos para curar diversas enfermidades ou controlar seus sintomas e sua progressão, a exemplo de dores crônicas ou neuropáticas, esclerose múltipla e espasticidade, epilepsia refratária e efeitos colaterais de medicamentos para tratamento de AIDS ou câncer.
No parecer, a procuradora-geral ressalta que a ADI 5708 não aborda a constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para consumo próprio com finalidades recreativas – tema já sob exame no STF no RE nº 635.659/SP, com repercussão geral reconhecida –, mas se restringe à análise dos mecanismos da legislação nacional voltados à garantia de acesso à cânabis para tratamento de problemas de saúde.
De acordo com normas da Anvisa, a aquisição de medicamentos derivados de maconha só é possível por procedimento de importação, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado para tratamento de saúde, de produto industrializado tecnicamente elaborado e que possua em sua formulação o canabidiol em associação com outros canabinoides, dentre eles o THC. Esses produtos devem ser produzidos e distribuídos por estabelecimentos devidamente regularizados pelas autoridades competentes em seus países de origem para as atividades de produção, distribuição ou comercialização e conter certificado de análise, com especificação e teor de canabidiol e THC, que atenda às respectivas exigências regulatórias das autoridades competentes em seus países de origem.
“A impossibilidade de cultivo da cannabis para fins medicinais no Brasil, em razão da ausência de regulamentação da matéria, acaba por gerar efetivo impacto não só sobre a produção científica brasileira relacionada ao tema, mas também, e acima de tudo, sobre a saúde de diversos pacientes que possuem indicação médica para tratamento com produtos e medicamentos feitos à base de canabinoides”, destaca a PGR ao criticar a morosidade atualmente existente.
Se o Estado proíbe o cultivo de plantas que possam originar drogas, com o objetivo de tutelar a saúde pública, argumenta Dodge, mas deixa de prover, por outro lado, a obtenção de tais vegetais e seus extratos pelas pessoas que deles necessitam para tratamento médico, “configura-se a ofensa à Constituição Federal, na medida em que se descumpre o dever de proteção da saúde enquanto direito individual garantido à generalidade das pessoas”.
Tal omissão do Poder Público é evidenciada pela demora na regulamentação, considerando terem sido transcorridos mais de 12 anos desde a edição da Lei de Drogas, e não obstante a União e a Anvisa já terem sido demandadas pelo Ministério Público Federal, em 2014, quando foi ajuizada uma ação civil com o objetivo de possibilitar o amplo acesso dos pacientes brasileiros ao uso da cânabis para fins medicinais.
Procedência parcial da ADI – Ao analisar os pedidos constantes da ação direta de inconstitucionalidade, Dodge opina pela sua parcial procedência, refutando três pontos suscitados pelo PPS. Em primeiro lugar, Dodge diz não haver incompatibilidade entre a Constituição – e as sanções estabelecidas na Lei de Drogas e no Código Penal – e a Lei para plantio, cultivo, guarda, transporte, prescrição de cannabis sativa para fins medicinais sem autorização. Também não vislumbra incompatibilidade na proteção da intimidade e da liberdade individual com a previsão legal de mecanismos de controle e fiscalização do acesso da população a substâncias que possam causar riscos à saúde pública. Ainda considera ser compatível com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil a previsão legal de ingerência estatal sobre a prática do cultivo e uso da cânabis com fins medicinais. Por fim Raquel Dodge se manifesta pela parcial procedência da ação, a fim de que seja determinado prazo à União e à Anvisa para que, no âmbito de suas respectivas competências, editem regulamentação sobre o plantio de cânabis com finalidade medicinal.