Fonte: Jota
A Suzano Papel e Celulose S.A venceu um processo de R$ 1,5 bilhão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) no último dia 15 de outubro. O julgamento envolveu cálculos relacionados a preço de transferência – método utilizado no Brasil para evitar a manipulação de preços em casos de operações realizadas entre companhias relacionadas localizadas em diferentes países.
O processo envolvia cobranças de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A disputa se deu por divergências entre o método escolhido pela empresa e pela fiscalização para o cálculo do preço de transferência.
A principal discussão travada entre os conselheiros durante o julgamento girou em torno da possibilidade de a Receita Federal exigir da contribuinte a aplicação do preço parâmetro de commodity para cálculo dos tributos. No caso concreto, entretanto, a operação envolvia celulose, que não é uma commodity.
Para a fiscalização tributária, embora a celulose não seja negociada em bolsa de valores, ela tem preços de cotação pública e sugeridos por uma entidade terceira, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP). A defesa argumentou que a legislação é taxativa quanto ao uso do parâmetro apenas para commodities.
Segundo os autos, a Suzano usou os métodos do Preço de Venda nas Exportações (PVEx) e Custo de Aquisição (CAP) para calcular o valor dos tributos na exportação de celulose líquida e papéis para empresas relacionadas localizadas fora do país, nos anos de 2012 e 2013.
De acordo com o fisco, porém, a empresa deveria ter adotado o Preço sob Cotação na Exportação (Pecex) para cálculo dos tributos. Isso porque a empresa aderiu ao regime proposto na Lei nº 12.715/2012, que, entre outros temas, traz métodos de preços de exportações.
“Se o bem não é commodity, mas está sujeito a preços públicos ou cotação em bolsa, pode ser arbitrado o preço de transferência por Pecex”, argumentou o procurador Rodrigo Burgos, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). “O Pecex é mais confiável e mais transparente. Não vejo porque fazer a restrição do uso do Pecex como o contribuinte pretende”, complementou.
A defesa da empresa foi feita pelos advogados Douglas Odorizzi e Júlio César Soares, do escritório Dias de Souza. Para eles, não havia precedente jurídico para a aplicação do método pretendido pela Receita Federal. “A nosso ver, existe uma aplicação exclusiva do método Pecex para commodities, com preços públicos em bolsa. Instituições como a Esalq não podem editar preços públicos”, afirmou Júlio César Soares durante sustentação oral.
“A norma fala em cotação diária, e a Esalq não faz cotação diária. A opção da empresa em aderir à lei 12.715/2012 não transforma a celulose em commodity”, complementou o advogado.
Tese recente
O julgamento do caso começou em 18 setembro, porém houve pedido de vistas do conselheiro Paulo Henrique Silva Figueiredo. Os casos sobre preço de transferência envolvendo o Pecex são recentes no Carf porque a lei é de 2012, assim como a Instrução Normativa 1312 da Receita Federal, que regulou o assunto.
Segundo a PGFN, o uso do Pecex em preços de transferência é um tema pouco apreciado pelo tribunal administrativo. O processo envolvendo a Suzano seria o segundo sobre o assunto analisado pelo Carf.
O relator do caso, conselheiro Flávio Machado Vilhena Dias, entendeu que a lei e a instrução normativa trazem exclusividade do Pecex para commodities. “Para o produto ser commodity precisa ter cotação diária, homogeneidade, ser negociado em mercado futuro. E nada disso está no processo”, afirmou.
Após análise dos fatos e da legislação, os conselheiros entenderam que a empresa tinha liberdade para escolher o método de parâmetro do preço de transferência. Além disso, consideraram que o Pecex é obrigatório apenas para commodities.
A votação se deu por unanimidade. Os conselheiros Gustavo Guimarães da Fonseca, Luiz Tadeu Matosinho Machado e Maria Lucia Miceli votaram pelas conclusões. Ou seja, eles concordam com o relator, mas têm divergências em pontos específicos.
Repercussão
A PGFN informou, via assessoria de imprensa, que aguarda a intimação para decidir sua futura ação – isto é, se vai recorrer ou não à Câmara Superior do Carf. A Suzano afirmou, também via assessoria de imprensa, que a companhia sempre esteve confiante de que a acusação fiscal seria cancelada.
Para a empresa, houve uma interpretação equivocada dos fatos pela fiscalização tributária e a aplicação incorreta do método de preço de transferência. A companhia destacou ainda que fatos como esses geram insegurança jurídica.
“Apesar das regras de preço de transferência no Brasil serem razoavelmente claras quanto à sua aplicação, uma autuação como essa, que decorreu de uma interpretação equivocada por parte da autoridade fiscal, gera enorme insegurança jurídica aos contribuintes, ainda mais considerando o valor envolvido neste tipo de matéria”.
Processo citado na matéria: 10508.720642/2017-28