Fonte: Conjur
Propaganda de prefeitura que exalta a gestão do prefeito viola os princípios fixados no artigo 37 da Constituição, especialmente os da impessoalidade e moralidade. Por isso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve decisão liminar que suspendeu os efeitos dos contratos de publicidade mantidos entre o município de Porto Alegre e duas agências de publicidade. As agências publicaram informes de cunho político, exaltando a gestão do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB), em jornalões do centro do país.
O relator do agravo de instrumento na 22ª Câmara Cível, desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, inicialmente, se manifestou — e derrubou — todas as questões preliminares suscitadas pelos réus em sede de recurso.
Conforme o relator, na atual marcha processual, é prematuro excluir o prefeito do polo passivo da ação popular, sem lhe oportunizar o direito à ampla defesa, ao contraditório, bem como a devida produção de provas. "Ao final, cabe enfatizar que, caso não se verifique conotação política nas veiculações, a ação será improcedente contra ele", justificou.
Na análise de mérito, o julgador entendeu, tal como o Ministério Público, que a proibição de fazer qualquer publicidade que não seja de caráter educativo, informativo ou de orientação social à população nada mais é do que uma obrigação imposta ao administrador público pelo sistema normativo. Logo, a decisão da juíza plantonista, que deferiu a liminar, não causa qualquer prejuízo à municipalidade.
Difini também apurou que o conteúdo de publicidade não se referia apenas a temas como IPTU, ampliação no horário de atendimento de postos de saúde ou publicação de editais de parcerias público-privadas, como alegou a defesa dos réus. Assim, o Judiciário não poderia validar toda e qualquer publicidade, ainda mais as de cunho político, como demonstrado nos autos.
O relator, ao fim do voto, deixa claro que esta decisão não impede o município de realizar publicidade que informe e oriente a população sobre os cuidados e providências em casos suspeitos de contaminação pelo novo coronavírus, assim como em relação ao combate e à prevenção da dengue. Segundo ele, o Executivo Municipal pode produzir e divulgar novas peças publicitárias sobre estes assuntos, desde que tenham cunho informativo e de orientação à população. A decisão colegiada foi tomada na sessão virtual (videoconferência) do último dia 9.
Ação popular
Luciane Pereira da Silva e Edson Zomar de Oliveira, diretores do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), ajuizaram ação popular questionando o contrato de R$ 34,9 milhões, firmado entre a Prefeitura da Capital e as agências de publicidade Morya Sul e Escala Comunicação e Marketing. A ação foi protocolada no 2º Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, em 31 de dezembro de 2019.
Segundo o parágrafo 1º do artigo 37 da Constituição Federal — lembra a inicial —, a publicidade dos órgãos públicos deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social. Assim, estas mensagens não podem trazer nomes, símbolos ou imagem que caracterizem promoção pessoal. A mesma advertência está contida no parágrafo 1º do artigo 19 da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul.
No entanto, os documentos juntados aos autos mostram que a Prefeitura de Porto Alegre e o prefeito Nelson Marchezan Júnior, também réu na ação popular, autorizaram algumas publicidades de cunho político nos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e Valor Econômico no final de 2019. As peças, com o título "As reformas que o Brasil precisa Porto Alegre já fez", configurariam campanha eleitoral antecipada, já que Marchezan é provável candidato à reeleição.
Segundo os subscritores, além de não trazer qualquer informação educativa, mas mera promoção de gestão, as publicações foram feitas em periódicos de outros estados, o que não traz nenhum benefício à população gaúcha. E isso num cenário crítico para as contas públicas, inclusive com parcelamento de salários dos servidores municipais.
Tal contrato, na visão dos autores, traz indícios que ferem a Recomendação Conjunta do Ministério Público estadual (M-RS) e Ministério Público de Contas (MPC-RS) de 3 de fevereiro de 2017. Nesta, as instituições recomendam à Secretaria de Comunicação Social do Estado do Rio Grande do Sul, na pessoa do seu titular, a evitar despesas com publicidade oficial do Poder Executivo, pelo menos enquanto perdurar a crise financeira.
Para evitar maiores danos ao patrimônio público, os autores pediram, liminarmente, a suspensão da veiculação das peças de publicidade do Município de Porto Alegre, à exceção das que se refiram a pagamento de IPTU, até que sejam integralmente quitadas as gratificações natalinas dos servidores públicos municipais.
Liminar parcialmente concedida
A juíza Keila Silene Tortelli, em regime de plantão no recesso do Judiciário, em 2 de janeiro de 2020, deferiu parcialmente a liminar. Ela determinou que o município deve se abster de autorizar qualquer publicidade que não seja de cunho educativo, informativo ou de orientação social à população, a exemplo das informações da alteração dos valores do IPTU. Em decorrência, deve suspender os contrato de publicidade com as duas agências, para adequá-los à realidade financeira do Estado.
"Assim, presentes os requisitos legais, havendo indícios de publicidade que não atende os requisitos legais, mas não havendo maiores elementos acerca do alcance dos atos publicitários, a liminar deve ser parcialmente deferida, não havendo razão para condicionar a publicidade ao pagamento do funcionamento público, mas sim de inibir o que extrapola os limites da legalidade e os princípio constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista grave crise financeira enfrentada pelo Estado", registrou o despacho, datado de 2 de janeiro de 2020.
Em 7 de janeiro, a decisão acabou confirmada pelo juiz José Antônio Coitinho, do 2º Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, onde passou a tramitar a ação.
Agravo de instrumento
Em combate à decisão monocrática, os réus interpuseram agravo de instrumento no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pedindo a revogação da liminar, diante não verificação do perigo de demora em relação aos pedidos vertidos na ação popular.
Em razões recursais, desfiaram um rosário de argumentos, dentre as quais: a decisão recorrida não traz qualquer fundamentação jurídica; a peça inicial não cumpre os pressupostos de desenvolvimento válido, seja pela não demonstração do binômio lesividade-ilegalidade ou pela inobservância do litisconsórcio passivo necessário; prefeito é parte ilegítima, pois não praticou o ato questionado; há perigo de demora inverso, em prejuízo da sociedade, na medida em que a suspensão da campanha institucional de publicidade prejudica a informação de atos de substancial relevância ao interesse da sociedade, dentre outros.
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5055216-32.2019.8.21.0001 (Comarca de Porto Alegre)