Fonte: Conjur
A aplicação da taxa fazendária (taxa Selic) para correção de dívidas civis, conforme dispõe o artigo 406 do Código Civil, não é incontornável, mas apenas um parâmetro a ser adotado, à falta de outro mais adequado.
Com esse entendimento, o ministro Luís Felipe Salomão, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, propôs o estabelecimento de uma distinção para os casos de cálculo de juros quando relacionados a danos contratuais e extracontratuais no campo do Direito Privado.
A proposta foi feita em julgamento do colegiado nesta terça-feira (17/11) e compõe mais um capítulo na longa discussão jurisprudencial sobre aplicação da taxa Selic em indenizações.
O caso julgado chegou a tramitar na Corte Especial, mas retornou para que a 4ª Turma fizesse a definição. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Marco Buzzi.
Para o relator do recurso, embora a Corte Especial tenha definido e as turmas que julgam Direito Público do STJ tenham aplicado a Selic para casos de crédito do contribuinte, ela não é a mais adequada no âmbito do Direito Privado, pois não atualiza adequadamente os valores e seu cálculo inclui simultaneamente juros moratórios e correção monetária.
Em casos de dívida civil, essas consequências fluem a partir de momentos diferentes, o que inviabiliza a utilização da Selic. Assim, aplica-se o parágrafo 1º do artigo 161 do Código Tributário Nacional, com juros de 1%. E a correção monetária pelos índices oficiais cabíveis em cada caso.
Uso inconciliável
O uso da Selic é considerado inconciliável para casos de dívidas civis por conta dos marcos iniciais para fluência dos efeitos legais.
Em caso de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, segundo a Súmula 54 do STJ. Se a condenação decorrer de relação contatual, o termo inicial da contagem é a citação. Já quanto à correção monetária, o termo inicial é a data da prolação da decisão que fixou o seu valor, como dispõe a Súmula 362.
Como a Selic engloba juros moratórios e correção monetária e sua formação, a incidência desse índice pressupõe fluência simultânea deles, o que implica em evidente conflito com as súmulas 54 e 362.
Além disso, a taxa Selic não é um espelho do mercado, mas o principal instrumento de política monetária atualizada pelo Banco Central no combate à inflação. Tem forte componente político e é fixada com objetivo de interferir na inflação para o futuro, e não de refletir a inflação apurada no passado.
"Sua adoção na atualização de dívidas judiciais conduz a uma oscilação anárquica dos juros efetivamente pagos pela mora, com grandes distorções em relação ao mercado e injustiça gritante", destacou o ministro Salomão. Para ele, o uso da taxa fazendária abre hipótese de enriquecimento sem causa.
É o que ocorreria no caso concreto julgado no recurso especial, que trata de indenização fixada em R$ 7 mil em 2006 por inscrição indevida do nome da autora da ação em cadastro de inadimplentes. Pela taxa Selic, o valor estaria em R$ 27 mil em outubro de 2020. Aplicada a taxa de 1% e correção pelo IGPM a partir do arbitramento, totalizaria R$ 44,8 mil.
Caso de política judiciária
Para o ministro Luís Felipe Salomão, o STJ não pode postergar a análise dessa situação de distinguishing com a jurisprudência já formada em torno da aplicação do artigo 406 do Código Civil. A questão é inclusive de política judiciária, de modo a evitar que se use o Judiciário para ganhos indevidos.
O uso da Selic, segundo o relator, incentiva a recalcitrância recursal e desmotiva o uso de meios alternativos de resolução de demandas, como conciliação e mediação. Isso porque o devedor litiga ciente de que sua dívida não causará grande prejuízo. Por isso a aplicação dos critérios do artigo 161 do CTN.
"Sob essa ótica, percebe-se que adotado o critério ora proposto, a dívida se torna menos oscilante, mais previsível e a diferença atinente ao acréscimo dos consectários legais na obrigação pecuniária decorrerá apenas da variação da inflação e não de irracional incidência de juros flutuantes", concluiu.
REsp 1.081.149