Fonte: Veja
Não foram poucas as vezes em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entrou em rota de colisão com o Congresso. No ano passado, por exemplo, a Corte definiu que o dinheiro público que financia as campanhas políticas deveria ser dividido segundo a porcentagem de candidatos brancos e negros de cada legenda. Em 2018, estabeleceu também que, se as mulheres representavam, no mínimo, 30% das candidaturas, nada mais justo que elas também tivessem direito à mesma proporção dos recursos do Fundo Eleitoral. Decisões como essas mitigaram o poder dos dirigentes partidários e alimentaram o debate sobre os limites da atuação do TSE. Mudanças importantes nessa área podem ocorrer em breve. Está em discussão na Câmara dos Deputados uma proposta de reforma do Código Eleitoral que retira algumas das principais atribuições do tribunal. As alterações estudadas abrem a possibilidade de os partidos contratarem empresas privadas para auditar as próprias contas e garantem ao Congresso a prerrogativa de vetar resoluções, caso os parlamentares entendam que o tribunal extrapolou sua competência.
O TSE já determinou a verticalização de coligações e criou a hipótese de perda de mandato por infidelidade partidária, duas medidas que atingiram em cheio a dinâmica interna dos partidos. Só no ano passado, o tribunal aprovou 23 resoluções normatizando temas variados, como a prestação de contas dos candidatos e o calendário das eleições. “O tribunal em alguns casos vem legislando, substituindo o Congresso e extrapolando sua função. Os sete ministros não detêm a mesma legitimidade que os 513 deputados do Congresso”, diz a professora Clarissa Maia, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), que, no geral, vê como positivas as propostas. O exame dos balanços financeiros dos partidos, porém, é um tema polêmico.
É fato que o TSE, apesar de ser o responsável pelo acompanhamento e fiscalização do uso correto de recursos públicos nos processos eleitorais, nunca exerceu essa função de maneira, digamos, muito eficiente. Os técnicos não encontraram nada de errado, por exemplo, nas campanhas presidenciais de Fernando Collor, Lula ou Dilma Rousseff — todas elas eivadas de irregularidades descobertas muito tempo depois e que se transformaram em grandes escândalos. No caso das contas partidárias, a situação não é muito diferente. As legendas dividem uma bolada anual de cerca de 1 bilhão de reais — dinheiro que nem sempre é usado de maneira legal. Com o novo código, os partidos teriam a opção de contratar uma empresa privada de auditoria para atestar a legalidade da prestação de contas. Nesse cenário, o TSE poderia reprovar as contas apenas se o relatório da auditoria apresentasse incongruências, ou seja, sem fazer uma análise mais aprofundada dos gastos. “O texto amarra as mãos da Justiça Eleitoral, esvaziando totalmente a fiscalização sobre as contas, que se torna um ato meramente formal”, critica o diretor executivo do Movimento Transparência Partidária, Marcelo Issa. Para a deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI), relatora do projeto, o objetivo da mudança é tornar mais rápida a análise das contas dos partidos. A atual legislação prevê que elas devem ser julgadas em um prazo de até cinco anos. Na prática, isso não funciona. Em pleno 2021, o TSE ainda está julgando as contas de 2015. “Precisamos dinamizar o processo”, justifica a deputada.
O texto da reforma também propõe a diminuição do número de candidatos que podem disputar as eleições proporcionais — de deputado estadual, federal e vereador. Atualmente, dependendo do estado, cada partido pode lançar um número de candidatos até duas vezes maior que o número de cadeiras em disputa. Em um município com trinta vereadores, por exemplo, cada legenda pode ter até sessenta candidatos. No ano passado, mais de meio milhão de brasileiros — o equivalente à população de Florianópolis — concorreram a uma vaga de vereador. O novo código limita esse contingente ao número de vagas em disputa. “Do jeito que está, o cidadão comum não consegue se fixar em candidatos, nem diferenciar um do outro. É ruim”, avalia a deputada.
O atual Código Eleitoral está em vigor desde 1965 e, claro, precisa de ajustes e ser atualizado à luz da nova realidade e do avanço tecnológico. Para que as novas regras sejam válidas já nas eleições de 2022, porém, é preciso que os parlamentares aprovem o projeto até o fim de setembro. “O texto preliminar traz alguns avanços e potenciais retrocessos, que, naturalmente, poderão — e deverão — ser objeto de reflexão e aprimoramento”, disse a VEJA o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso. São bastante consideráveis as chances de o novo código, especialmente em relação aos retrocessos, empacar em um embate jurídico no Supremo Tribunal Federal.