Fonte: Conjur
Por maioria de votos, o Tribunal Superior Eleitoral julgou ilegal uma gravação ambiental clandestina usada para atestar a prática da fraude à cota de gênero feita não por opositores políticos ou denunciadores do ilícito eleitoral, mas pela própria candidata envolvida.
A conclusão foi alcançada na noite de terça-feira (24/11), quando a corte resolveu afastar a cassação do registro de todos os candidatos do MDB que concorreram à câmara dos vereadores em Monte Azul Paulista (SP) na eleição de 2020. Com o resultado, Eliel Prioli e Zinho Cantori serão reconduzidos aos cargos para os quais foram eleitos.
Foi a primeira vez que o TSE analisou a possibilidade de a gravação ambiental clandestina ser usada como instrumento de defesa — no caso, por Maria Olenil, a mulher que teria sido indicada de forma fraudulenta para concorrer ao pleito apenas para alcançar a cota de gênero exigida pela legislação.
Recentemente, a corte passou a considerar que essas gravações ambientais, feitas em ambiente privado, sem autorização judicial e sem o conhecimento dos interlocutores, são ilegais, com base na mudança do regramento introduzida pelo pacote "anticrime" (Lei 13.964/2019).
Essa mesma norma, no entanto, traz uma diferenciação: indica que tais provas só podem ser usadas para defesa, desde que demonstrada a integridade da gravação.
Apenas o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, entendeu que essa diferenciação levaria à legalidade da gravação. Os outros seis ministros votaram pela ilegalidade das provas.
"Esse não é um caso que se encaixe no precedente da gravação ilícita, porque não foi gravado por um opositor querendo prejudicar o candidato que o derrotou, mas pela vítima do que evidentemente foi uma fraude. Não acho que se aplique precedente", disse.
Dúvidas sobre a fraude
Ainda assim, a corte ficou divida sobre se os demais elementos dos autos seriam suficientes para manter a conclusão da ocorrência da fraude à cota de gênero. Venceu o voto divergente do ministro Carlos Horbach, para quem, sem a gravação ambiental, a condenação não se sustenta.
Ele destacou que, se por um lado, Maria Olenil apresentou a certidão de renúncia à candidatura e alegação de que foi candidata à revelia, pois sequer participou das convenções partidárias, por outro ela assinou termo de consentimento, anuindo com o lançamento do próprio nome para vaga na câmara dos vereadores.
"A existência do mencionado termo de consentimento, cuja autenticidade não foi contestada, faz com que as outras declarações sejam, no mínimo, postas em dúvida, o que enfraquece o conjunto probatório", afirmou o ministro Horbach.
Para o ministro Alexandre de Moraes, a situação lembra muito os filmes americanos em que, em um julgamento, depois que se apresenta alguma informação pelas partes, o juiz a considera ilícita e diz aos jurados: ignorem.
"Ou a gravação é ilícita ou não é, sob pena de continuarmos a incentivar a possibilidade da gravação para confirmar alguma coisa. Se algo só pode ser confirmado com base em prova ilícita, realmente o mínimo que gera é a dúvida razoável. Tirando a prova ilícita, não há suporte probatório necessário", afirmou.
Também votaram com a divergência os ministros Mauro Campbell e Benedito Gonçalves. Ficaram vencidos o relator, ministro Sergio Banhos, e os ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, para quem a condenação deveria ser mantida.
O voto do ministro Banhos destacou que Maria Olenil é analfabeta funcional em idade avançada com dificuldades de locomoção, que nunca se apresentou como candidata, não esteve na convenção partidária e foi surpreendida pela visita de membros do MDB, comunicando-a de sua candidatura, situação que externou a familiares.
"Parece que estamos diante de caso flagoroso de fraude à cota de gênero, o qual devemos reprimir com severidade. Nenhuma dúvida do que se passou aqui", concordou o ministro Barroso. "Os autos gritam no sentido de fraude à cota de gênero", acrescentou.
0600530-94.2020.6.26.0171