Fonte: Conjur
Por Flavia Meleras, Maria Virginia Nasser, Renato Rossi e Érica Alves
Quem nunca cantarolou um jingle eleitoral animado? A memória se repete e, a cada dois anos, somos bombardeados com o som, as vozes e as imagens que ajudam a moldar o processo eleitoral. Assim como a lógica de mercado é atrair a atenção do consumidor pela propaganda, o cidadão também é convidado por dispositivos midiáticos para conhecer melhor a imagem e as ideias dos candidatos. E não poderia ser diferente: o exercício da propaganda é tão essencial ao processo eleitoral e à democracia, que nossa legislação prevê sua veiculação gratuita na televisão e no rádio.
É por meio da propaganda que o eleitorado tem acesso às candidaturas, às opiniões partidárias e aos planos de governo e, a partir daí, cada eleitor pode optar por quem melhor o represente. Nos últimos anos, o uso das redes sociais por candidatos vem sendo cada vez mais comum, e plataformas como o Twitter, Instagram, Telegram, YouTube e TikTok se tornaram verdadeiros palanques que adicionaram uma inédita complexidade ao jogo político. Entretanto, se engana quem pensa que as formas de propaganda eleitoral, sobretudo as veiculadas na internet, devem apenas se ater às regras eleitorais, que hoje são muitas e complexas. A propaganda eleitoral também se submete às normas de propriedade intelectual e direito de imagem.
No Brasil, o assunto é tratado, principalmente, pelo Código Civil (no caso do direito de imagem) e pela Lei de Direitos Autorais (no caso da propriedade intelectual). Esta última protege os direitos de autores de obras intelectuais, que podem ser elementos artísticos, audiovisuais, musicais ou literários, entre outros. E essa proteção vale também para campanhas eleitorais. Em regra, a utilização de qualquer tipo de criações intelectuais para fins eleitorais depende da autorização do (s) autor/es. Se remunerada, deve seguir regras estritas de contratação e prestação de contas à Justiça Eleitoral. E, vale lembrar, a presença de artistas em showmícios e apresentações é hoje vedada, mesmo quando voluntária.
Por outro lado, é preciso ponderar sobre a aplicabilidade da Lei de Propriedade Intelectual à dinâmica das eleições. Isto porque a LPI foi pensada para contemplar o mercado de consumo e a concorrência entre empresas. A lei traz uma série de impedimentos de elementos que não podem ser registrados como marcas, que inclui, por exemplo, cores partidárias. Ainda assim, é possível o registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) de símbolos distintivos, desde que não haja restrição legal. Inclusive, em 2021, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que símbolos político-partidários podem ser registrados como marca pelo Inpi.
Situação que merece atenção é o uso de criações autorais de terceiros na promoção de candidaturas, questão que nos últimos anos gerou diversas discussões de grande repercussão no Poder Judiciário brasileiro e fora do país. Um exemplo disto foi a decisão do Tribunal Superior Eleitoral em 2004, quando decidiu que não há violação de direito autoral na utilização de trecho jornalístico para contextualizar uma pauta de caráter político-comunitário. Atualmente, uma das mais importantes discussões sobre o tema reside no uso de paródias musicais em propagandas eleitorais. O STJ deverá decidir sobre a questão no âmbito do julgamento relativo à utilização de uma paródia de "O Portão", canção de Roberto Carlos e Erasmo, na campanha de 2014 do deputado Tiririca. No momento, o processo está suspenso, sem previsão para retorno, após pedido de vistas do ministro Raul Araújo.
Não é apenas no Brasil que ocorre esse tipo de discussão. Nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016, o então candidato Donald Trump utilizou em sua campanha a canção "Nessun dorma", do compositor italiano Giacomo Puccini e interpretada por diversos tenores, dentre eles, Luciano Pavarotti. A família do falecido tenor solicitou, mediante uma carta, que o candidato cessasse a utilização da música, por entender que os valores que Pavarotti cultivou durante a vida eram diferentes dos que eram professados por Trump. Reside aí a questão do uso de imagem em atividade político-partidária.
Este assunto é também importante devido à popularização das redes sociais e da internet nas últimas décadas. Nesse cenário, muitos candidatos, para tentar uma aproximação com o público eleitor mais jovem, utilizam imagens conhecidas como "memes", músicas, imagens de jogos eletrônicos conhecidos e outros recursos audiovisuais em suas propagandas políticas. A estratégia, em um primeiro momento, parece positiva e apta a atrair um público ainda não fidelizado. Porém, caso o uso seja realizado sem as devidas cautelas e autorizações, o candidato poderá contrariar as disposições da legislação em vigor que exigem moderação e vedam tanto a desinformação quanto práticas discriminatórias.
Ainda, enquanto a propaganda eleitoral foi sendo cada vez mais regulada e limitada pela legislação, chegando até mesmo a cometer certos exageros, atividades não enquadradas como tal sofrem pouquíssimo controle. E aí reside um problema: como saber quando determinada manifestação decorre apenas de manifestação pessoal — que realmente deve ser protegida pela liberdade de expressão — e quando se trata de propaganda disfarçada e irregular.
A jurisprudência dos tribunais eleitorais sobre o tema ainda é esparsa, o que aumenta a insegurança jurídica em um cenário tão delicado. Entretanto, com a popularização da internet e plataformas digitais, é importante que os candidatos atuem nos limites permitidos pela legislação, tanto nos aspectos eleitorais, quanto nos relacionados à propriedade intelectual e direito de imagem, para que possam difundir suas ideias e propostas sem correr riscos jurídicos e reputacionais, além de se garantir a lisura do processo eleitoral, fundamental para a democracia.