Fonte: Conjur
Passados poucos dias do primeiro turno das eleições, dois temas permeiam as discussões: o resultado das eleições; e as eventuais diferenças numéricas entre este resultado e os índices estabelecidos pelas pesquisas.
E como efeito automático da polarização em que vivemos, ambos os temas fomentam opiniões controvertidas, discussões baseadas em "achismo" e, a não menos equivocada, atuação de parlamentares com vistas à criminalizar qualquer circunstância contrária a opinião dos seus eleitores/ seguidores/ torcedores.
Explico! Inegavelmente, o resultado das urnas diverge das estatísticas e índices apontados por grande parte dos institutos de pesquisa. E mesmo que existam justificativas razoáveis para tanto (metodologia usada, variações numéricas e até a mudança de voto, de forma a torna-lo "útil", com base nos próprios números divulgados), os legisladores optaram pela solução mais imediatista e danosa: criminalizar a realização de pesquisas eleitorais feitas por institutos, de forma, creio eu, a dar uma resposta à sociedade inconformada com as divergências, e também, de forma a só permitir e validar pesquisas informais, as tais enquetes nas redes sociais (que são ainda mais enviesadas, em virtude dos algoritmos).
A partir desta "solução", dois aspectos jurídicos merecem análise: a regulamentação e os regramentos das pesquisas eleitorais; e a compatibilização das propostas de criminalização das pesquisas com a teoria chamada Direito Penal Emergencial.
No que diz respeito à regulamentação das pesquisas eleitorais, atualmente vigora a resolução 23.600/TSE (com as alterações operadas através da resolução 23.673/2021/TSE) construída com base nas determinações do artigo 33 e seguintes, da Lei 9.504/97.
Importa frisar que referida lei vigora há mais de 25 anos, e desde a sua vigência inúmeras foram as resoluções feitas pela Tribunal Superior Eleitoral com base no seu texto, como decorrência lógica de um processo de maturação e aperfeiçoamento com o passar das eleições.
Obviamente, qualquer resolução, assim como todas as leis e até o próprio texto constitucional, está sujeita a imperfeiçoes e críticas, o que pode ser corrigido através de um amplo processo de discussão, com a possibilidade de participação de todos os atores sociais interessados e atingidos.
Inclusive, a própria resolução atual foi submetida as mais plurais e democráticas discussões, especialmente com a aceitação de propostas vindas do Congresso, dos partidos políticos, de associações de classe e de especialistas em pesquisas, estatísticas além de opiniões jurídicas[1].
E, em como qualquer outro processo democrático e decisório, foram acolhidas as propostas da maioria, à partir da análise dos seus critérios de sustentação, da sua compatibilidade com o ordenamento jurídico e com a devida fundamentação dos critérios de escolha pelo órgão competente.
Não bastasse essa contrariedade ao conteúdo construído com a participação do próprio Congresso, agora, com o açodamento próprio de quem está mais preocupado com a velocidade da resposta do que com a solução do problema, alguns parlamentares propõe a criminalização da realização de pesquisas eleitorais[2].
Tal radicalismo apresenta, além da contrariedade a um processo cuja participação dos seus proponentes aconteceu, também apresenta contrariedade a um dos princípios vetores do ordenamento jurídico — o Direito Penal de "Ultima Ratio" — uma vez que, ao invés de criminalizar tal circunstância, que deveria ser medida radical e extrema, poderiam os parlamentares propor alterações ao texto da Lei 9.504/97, que é o foro próprio para tanto, não sem razão chamada de "Lei Geral das Eleições".
Mas, de forma irracional, simplista ou até com o objetivo de aproveitar o caos para "jogar para os próprios torcedores", a solução proposta foi a criminalização destes fatos, em perfeita consonância a umas das modalidades mais gravosas de populismo, o Direito Penal Emergencial.
Doutrinariamente[3][4][5], há consenso sobre o conceito de Direito Penal Emergencial, segundo o qual são construídas através do Direito Penal respostas desproporcionais e inadequadas, aptas a violar direitos e garantias fundamentais, a partir de circunstâncias concretas amplamente divulgadas pela mídia e pelas redes sociais.
Em resumo: a mencionada gravidade da circunstância, não fosse a massiva exploração do seu conteúdo, jamais ensejaria uma resposta tão contundente, tal como "matar um inseto usando uma bazuca".
Nitidamente, há incongruências jurídicas no projeto, especialmente porque, conforme já indicado, não haveria a necessidade de criminalizar tal circunstância, pois bastariam propostas de alterações ao texto da Lei Geral das Eleições.
A par desta inobservância, também, a pretexto de resguardar um bem jurídico coletivo ( mesmo que nenhum proponente dos projetos tenha sido capaz de mostrar qual), o legislador atropela direitos e garantias fundamentais, o que faz com que os efeitos da solução sejam mais danosos que a conduta reprimida.
E nestes pontos repousa a principal preocupação decorrente do projeto, posto que a indefinição daquilo que se pretende proteger, aliada a sobreposição das medidas adotadas em relação ao que se pretende combater torna os projetos discutíveis sob o ponto de vista da razoabilidade, da cidadania e da democracia.
E a nossa jovem Constituição não merece ser apedrejada por "achismo", "fanatismo" ou por "discussões de boteco", afinal, a sua manutenção é dever de todos nós, independentemente do lado da arquibancada.
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[1] https://www.tse.jus.br/
[2] https://www.cnnbrasil.com.br/
[3] https://www.ibccrim.org.br/
[4] https://jordansales.jusbrasil.
[5] https://jus.com.br/artigos/